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Sonhos Desfeitos

from Sonhos Desfeitos by malMORTO

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lyrics

Conhecemo-nos numa festa de faculdade. Tínhamos vinte anos. Ao som duma música dos Pulp, disseste-me que trabalhavas num grande jornal nacional e eu disse: "bom para ti". Perguntaste-me o que é que eu fazia e eu respondi que estudava e tinha uma banda. Perguntaste se a banda era conhecida. Eu disse que não. Depois, quiseste saber o que é que eu estudava. Eu não te quis dizer naquela altura mas, naquela noite, a olhar para ti naquela festa de faculdade eu estudava os próximos vinte anos da tua vida - a tua sorte, a tua sina, o teu futuro, aquilo que lhe quiseres chamar, eu chamo-lhe: A História duma Mulher Sem História.

A vida tem destas coisas: uma vez no Bairro Alto, passaste por mim com um grupo de amigos. Tinha chovido e a calçada estava molhada. Eu estava no passeio com dois copos de plástico na mão, à espera duma amiga minha que tinha ido a um bar comprar tabaco. Tocava aquela música dos Pulp e eu fiquei a ver-te desparecer pela multidão. O teu amigo murmurou qualquer coisa parva sobre a minha figura ali, sozinho, com dois copos de cerveja na mão e tu deste uma pequena gargalhada. Quando chegou a minha amiga e me perguntou o que se passava eu respondi: "não se passa nada. Um dia no futuro, acabei de escrever uma canção sobre uma mulher sem história. Apenas isso. Nada de especial".

Uns anos mais tarde, encontrámo-nos de novo. Eu passeava por Lisboa enxotando, a espaços, as folhas caídas na calçada e tu tinhas acabado de ser nomeada Assessora de um daqueles governos corruptos que atiram tantos da nossa geração para o desemprego ou emigração. Os nossos olhares cruzaram-se num café na Avenida da Liberdade. Estavas com o teu noivo. Não me reconheceste. Eu fiquei ali a ver-te falar com ele, feliz e apaixonada. Posso dizer que vos olhei com um pouco de inveja. Mas não gostei da forma como trataste com sobranceria a empregada do café. É que a vida não dá nozes a toda a gente e a rapariga estava apenas num mau dia. Mas eu sabia o teu futuro. E o futuro, na generalidade, é como a vingança: cá se fazem, cá se pagam.

Agora que já tens 40 anos, dois filhos, um divórcio e uma casa que compraste com o teu ex-marido e que não consegues pagar, eu observo-te todos os dias quando vais para o emprego, de manhã, infeliz e cansada. Vejo-te ao longe, há noite, quando bebes um copo a mais e danças agarrada a ti própria no meio da pista, ou quando aceitas que um estranho te leve a casa porque há operação Stop na Ponte 25 de Abril. Mas, quando abres a porta e te diriges à aparelhagem e metes aquela música dos Pulp que te lembra um futuro com que sonhavas eu vejo-te; vejo-te quando ele atira as chaves do carro para cima da mesa, te agarra nas ancas e te pergunta se não tens uma música um bocadinho mais comercial e tu, nesse instante sabes que ele não passa de um palhaço - tem bom corpo, tem emprego, o que já não é mau, nos dias que correm. Ainda assim, eu vejo-te quando ele te empurra para o sofá - a tua cabeça a andar à roda e aquela música dos Pulp que te lembra um tipo que uma vez conheceste numa festa de faculdade. Que foi feito de ti? Que será feito dele? Pergunta ao Jarvis. Ele vai-te dizer: "All right!"

credits

from Sonhos Desfeitos, released April 8, 2015
Música e letra : Hugo Costa
Backing Vocals : Cristina Gonçalves
Misturado por Pedro Madeira

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